abril 24, 2020

Fotografia e memória

Era julho de 2013, fazia frio e o vento sudoeste entrava tão forte que espumava as tranquilas e mornas águas da Laguna Araruama. Nada parecido com as lindas tardes ensolaradas que Mário Márcio (@mariomarciod) estava acostumado a fotografar em seu paraíso particular. Lancei a provocação e ele topou. Partimos e chegamos à Praia da Baleia, no momento em que a companha (escreve assim mesmo) do Seu Nilson se preparava pra pesca noturna. Cheguei manso, sem saber direito o que fotografar, curiando a situação, e pedi pra entrar no barraco dos equipamentos, no que ele consentiu. Ali dentro, na baixíssima luz, enquanto recebia uma aula de pesca (tamanho de rede, largura da malha adequada, estratégia pra pescar cada espécie), ia clicando com dificuldade o que chamava minha atenção. Até que pedi pra ele ficar próximo à lâmpada de tungstênio e fiz uma série de retratos, dos quais usei, numa exposição em 2015, apenas essa foto.

Seu Nilson, pescador tradicional de São Pedro da Aldeia, em seu barraco de tralhas

Seu Nilson era um homem simples e cabreiro com quem não conhecia, e, como tivemos pouco contato à época, ele não foi à exposição. Imprimi uma cópia 15x21cm da sua foto e, junto com Mário Márcio, entregamos a ele em sua casa tempos depois. Nunca mais nos vimos. Até que na semana passada, recebo um zap de um número de São Pedro perguntando se eu que havia feito um retrato em preto e branco do Seu Nilson da Silva Serpa. Eu disse que sim, e a jovem do outro lado pediu se poderia tê-la para imprimir novamente, pois Seu Nilson havia falecido de infarto no dia 15 de abril. Fui ao HD daquele backup, aliviei os critérios de escolha, mandei tudo que achei bonito e fiquei feliz e aliviado em ainda ter essas fotos. - "Oi. Deu certo baixar as fotos?" - "Deu sim, muito obrigado. Todo mundo ficou emocionado. As fotos são lindas, obrigada de verdade. Ele era muito amado e as fotos mostraram uma parte importante da vida dele. A família está arrasada mas as fotos vão ajudar a guardar a memória dele."


Pega o remo...

guarda o remo.

Marcas do trabalho

Segundo a família, "tinha o maior coração do mundo." Não duvido.

Aquele truque pra fazer o motor funcionar

Pronto pra zarpar


Em memória do também pescador, Mário Rodrigues Soares, falecido em março deste ano.
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"Nas ondas verdes do mar, meu bem
Ele foi se afogar
Fez sua cama de noivo
No colo de Iemanjá"

Dorival Caimmy e Jorge Amado